Quando as coimas surgem de todo o lado.

Luís recebeu “oito ou nove” coimas no mesmo dia, Lourenço acumulou “mais de 40”, Francisco foi surpreendido à porta de casa e Lígia não só teve de pagar como acabou detida na autoestrada. Viagem à fronteira entre prevenção rodoviária e caça à multa

Primeiro apareceram as de excesso de velocidade, a conta-gotas. Multas por conduzir acima do limite de 50 km/h na Avenida Brasília, em Lisboa. Meses depois surgiram as outras, 13 de rajada, já com as “manchas negras” na matrícula como infração dominante. Tanto reportam aos últimos dias de 2014 como aos primeiros de 2016 ou a meados de 2015, mas recebeu-as todas em outubro passado. Duas são repetidas: o mesmo local, a mesma data, a mesma hora, apenas a referência multibanco a diferenciá-las. “Um dia fui ao correio e tinha lá oito ou nove multas. As primeiras de velocidade fui pagando, mas às tantas comecei a ver que isto não era normal.”

A fronteira entre prevenção rodoviária e fiscalização orientada para os euros não está desenhada a régua e esquadro. Na geografia do Código da Estrada nem sequer tem lugar definido no mapa. Porque onde uns ainda só veem preocupação com a segurança já outros identificam, há muitos quilómetros, território de receita fácil.

As duas faces da fotografia

Contactadas pela VISÃO, nem a Polícia Municipal de Lisboa, a quem cabe processar as multas registadas pelos radares fixos, nem a autarquia, proprietária dos equipamentos, se mostraram disponíveis para esclarecer a situação.

A rede de controlo de velocidade da capital sofreu constrangimentos ao longo dos últimos anos, com avarias, atos de vandalismo e falta de manutenção que impediram o funcionamento de praticamente todos os radares, como adiante se verá.

Nas multas de excesso de velocidade ou álcool, a defesa incide sobretudo na homologação e fiabilidade dos equipamentos de medição (cinemómetro e alcoolímetro). Cada modelo aprovado por despacho em Diário da República tem as suas regras específicas de utilização e, uma vez por ano, todos sem exceção devem ser inspecionados pelo Instituto Português da Qualidade. Como as balanças das mercearias ou as bombas de gasolina – para não darem quilos a mais ou combustível a menos.

Não é tão raro quanto isso a imagem original dos radares não identificar os algarismos e as letras da chapa, embora na maior parte das vezes devido ao reflexo de luz. Acontece “em 40% dos casos”, estima Diogo Pimentel, advogado estagiário no escritório de Câmara Pestana, em Lisboa, enquanto mostra vários exemplos. “Depois manipulam a fotografia e enviam outra, aumentada, para se conseguir ler a matrícula, mas isso não está previsto na lei”, sublinha Diogo Pimentel, antes de ressalvar que nem todos os juízes valorizam essa “manipulação” a ponto de ilibarem os condutores só por causa dela.

Notificar tarde e a más horas

Esta é das queixas mais ouvidas pela VISÃO entre os condutores multados que aceitaram falar e os que preferiram ficar no anonimato.

Confrontada pela VISÃO, a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), sucessora da Direção-Geral de Viação (DGV) como entidade responsável pelas contraordenações na estrada, não teceu comentários acerca desta forma de atuar.

Nada na lei impede que as multas de trânsito sejam tratadas por atacado. As entidades autuantes, PSP, GNR, Polícias Municipais, EMEL ou outras, dispõem de dois anos para notificar os infratores. E não importa se lhes enviam uma ou 20 no mesmo dia, nem se as transgressões ocorreram numa única semana ou ao longo de dois anos menos um dia.

Radares de Lisboa disparam de novo

Já no seu tempo do outro lado da barricada, revela Francisco Marques Vieira, existiam casos de multas em lotes, “não porque alguém decidia atuar dessa maneira, mas por deficiências de operação do sistema, por vezes logo na fase inicial da autuação”. A partir de 2007, continua, o problema intensificou-se, uma vez que “a colocação de muitos radares fixos em Lisboa fez aumentar ainda mais o número de infrações”. Nada menos que 446 mil excessos de velocidade nos primeiros dois anos, à média de 611 por dia (96 só no Túnel do Marquês), mais do que PSP e GNR em conjunto, nas suas fiscalizações de norte a sul do País com radares móveis. Sem mãos a medir, a Polícia Municipal de Lisboa nunca chegou a divulgar, porém, quantas multas conseguiu processar a partir de tal volume de abusos.

À VISÃO, a Câmara Municipal de Lisboa confirma a “entrada em funcionamento de 21 radares” no ano passado, assim como a “introdução do sistema de recuperação de multas”, para justificar o crescimento da receita em contraordenações de trânsito, de 1,4 milhões de euros em 2015 para 3,6 milhões em 2016 (valor ainda provisório e destinado ao novo fundo de gestão da Carris). Ou seja, a eficácia da fiscalização disparou em duas frentes: em março, como se constata no boletim municipal, a autarquia aprovou um investimento de 595 mil euros na contratação de uma empresa para reparar as avarias e assegurar a manutenção de todos os radares durante 13 meses; e já antes a Polícia Municipal tinha sido dotada de meios informáticos para agilizar o processamento das coimas, inclusive sobre infrações mais antigas, com a adesão ao Sistema de Contraordenações de Trânsito, gerido pela ANSR. Boa nova para uns, coleção de multas para outros.

É para prevenir abusos dentro dos túneis que muitos têm a velocidade controlada. 
O que gera dúvida são aqueles que têm mais do que um radar e dão azo, numa só passagem, a mais do que uma multa. A VISÃO tomou conhecimento de vários casos no túnel mais recente da CRIL, no nó de Benfica, em que os condutores são apanhados em duas infrações com menos de 20 segundos de intervalo. “É uma infração permanente, digamos assim. Se estacionamos no passeio e passarem três agentes fiscalizadores, não foram praticados três estacionamentos indevidos”, alega Francisco Marques Vieira, acrescentando que “terá de ser o arguido a contestar” porque os radares “são cegos”. A ANSR não se pronunciou.

 

 

Por serem quase todas infrações leves (em cima das passadeiras são graves) e não terem associada a inibição de conduzir, as multas de estacionamento levam menos pessoas a recorrer a advogados, mas superam em número as de excesso de velocidade. Em Lisboa, nem o dístico de residente faz milagres. Nas zonas de diversão noturna, chegar tarde a casa e ceder à tentação de deixar o carro mal estacionado é meio caminho para um despertar com uma multa no para-brisas ou as rodas bloqueadas.

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A VISÃO tentou saber junto da EMEL quais os locais em Lisboa que dão origem a mais multas de estacionamento, mas não obteve resposta. Parece ser um padrão das entidades autuantes em Portugal. A Polícia Municipal de Lisboa não cedeu qualquer dado; a do Porto delegou na Câmara Municipal e nada chegou; o Comando Metropolitano da PSP de Lisboa, por sua vez, remeteu para a ASNR, tal como começou por fazer a PSP Nacional, que enviou parte da informação após saber que a autoridade nacional lhe tinha devolvido a responsabilidade. Ninguém revela, por exemplo, que vias geram mais contraordenações em Lisboa e no Porto – nem sequer a GNR, que disponibilizou todos os outros dados solicitados e permitiu traçar um retrato das infrações graves e muito graves por distrito.

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