Amizade a gente dá…
Não. Eu não ando sumido, não. Continuo por aqui. Morando no mesmo lugar, trabalhando nos mesmos empregos, saindo e voltando para casa nos horários de sempre, pelos mesmos caminhos de antes. Sigo comprando as mesmas coisinhas no mesmo supermercado. O meu número de telefone continua o mesmo. Os meus perfis nas redes sociais estão ativos. Até os bares em que procuro um instante de elevação e remanso quando toca o gongo permanecem os mesmos. Logo, diferente do que me disseste há pouco, eu não sumi, não.
A moça da operadora que me telefona todas as semana, cheia de propostas para mudar o plano do meu telemóvel, nunca me cobrou coisa parecida. Ela sempre me encontra quando quer. Muito educada, chama de “senhor”, apresenta-se com um sotaque engraçado que me faz bem e tem uma simpatia tranquila. Eu peço a ela que ligue outra hora, porque no trabalho não dá para falar. Ela cumpre o combinado. Eu, por qualquer motivo, não consigo atender. E quando ela me encontra de novo, na semana seguinte, jamais menciona o meu “sumiço”.
Então, se a moça da operadora me encontra, também consegues. Ah, sim! O sumido sou eu. Falaste primeiro. Eu é que “desapareço”, não ligo e nem dou notícias. Não me interesso por saber da tua vida e essas coisas. Pois é. Tu sabes. Cuidar da minha própria vida já toma um tempo danado. Imagina cuidar da dos outros também! Compreendo, então, que a tua própria vida também esteja corrida, por isso também não me ligas e nem dás notícias. Então, o correto seria perdoarmos as ausências de cada um. Mas é mais fácil cobrar dos outros as atitudes que tampouco temos, não é mesmo?
É muito mais fácil pedir dos amigos a atenção que nós mesmos não oferecemos. Moleza culpar quem estiver perto pelos crimes que também são nossos.
Verdade é que amizade a gente dá e pronto. Dá sem esperar em troca. Ou simplesmente não dá! Amizade a gente não pede, não compra e não cobra. Quem visita, telefona, manda mensagem e se interessa por alguém deveria fazê-lo só porque isso lhe faz bem. Não porque espera receber o mesmo tratamento em troca. E se a recíproca não é verdadeira, talvez seja porque tem de ser assim mesmo. A amizade não se desenvolveu como deveria: sem cobranças e burocracias. Então, com o tempo ela há de esfriar e acabar naturalmente.
Esse tipo de amizade comovente, que não passa de um acordo tolo do género “eu gostei da tua foto no facebook, então tu gostas a minha ou eu não gosto mais de ti”, não me interessa. Não tenho fígado para elogios falsos, alegrias simuladas, declarações de amor forçadas. Mentiras.
Ah! E isso não é algo nascido com as redes sociais, não. A superficialidade das nossas relações, o afeto interesseiro e o toma-lá-dá-cá emocional não surgiram com o facebook. São bem anteriores a isso. Remontam ao tempo de quem convidava alguém para as tuas festas não pela tua amizade sincera, mas porque ter fulano ou beltrano no teu aniversário dava algum tipo de status, de cartaz. Depois, essa mesma pessoa se ofendia de morte por saber que o teu conviva iria se casar e não a convidara para a festa. Lembras?
Essa lógica é simples. Se não foste convidado para a festa de alguém que classifica como “amigo”, das duas, uma: a recíproca não é verdadeira e essa pessoa não te tem na lista de gente indispensável por perto ou, o que acontece com mais frequência, a amizade de vocês não anda lá essas coisas. É, sim, muito simples.
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Amizade não se força. Ela acontece ou não acontece. Como as plantinhas que não vingam, há relações que não desenrolam. Amizade a gente oferece. Jamais compra, não pede e tampouco cobra.
Se ofereces algo ao fulano, ele devolve nada e tu não te magoas com isso, é porque esperavas algo em troca e aí complica. Deste algo esperando contrapartida. E não porque simplesmente isso lhe faz bem.
É assim que é. Se eu sumi, também o fizeste.
Agora, se me dás licença, eu preciso atender o telefone. É a moça da operadora que me encontrou de novo.