O dói é ver um pai casar de novo e esquecer o filho do primeiro casamento. Esquecer. Nenhum cartão de Natal ou presente debaixo da lareira.
É que ganhou um herdeiro do segundo casamento, está envolvido na escolha do enxoval, no anúncio do jornal, em fumar charuto com o sogro e com aquela vaidade suprema de ostentar para a sua esposa que é experiente e sabe segurar a criança.
Ele apaga a casa anterior — com o que havia dentro dela — e apega-se à casa recente. Entende que a criança ou adolescente cresceu o suficiente para não depender mais dele. Nenhum filho cresce o suficiente para ser órfão de repente, não importa a idade.
Aquele filho a quem amava e criava com zelo, a quem aconselhava e trocava as fraldas passa a existir somente como uma pensão, uma linha do seu contra-cheque. Não pergunta. Não telefona. Não se encontra fora de hora. Está muito ocupado criando um bebé.
O que dá para entender é que ele não ama o filho, mas a mulher com quem se encontra no momento. Faz qualquer coisa para agradá-la, inclusive negar a paternidade do primeiro casamento.
É do tipo ou tudo ou nada, ligado à figura masculina patriarcal, que oferece e tira conforme as suas vantagens. Não é bem um pai, mas um latifundiário emocional, desconfiado, sob permanente ameaça de invasão de suas terras.
Mãe é diferente, sempre se elogia quando menciona o seu filho.
Mareja os olhos ao mexer na gaveta das camisas, colecciona bilhetes e desenhos, inventa uma porção de neologismos no abraço. Não se guarda para depois, para um melhor momento, está disposta a conversar pressentimentos e costurar recordações.
Pai costuma omitir-se no momento do desabafo. É comedido demais para estar vivo. Troca de personalidade, de residência, de amor, o que precisar, no sentido de prevenir a sobrecarga de problemas. Para namorar, ele desaparece por meses (exactamente o contrário da mãe, que administra o fim de semana com o apoio da cuidadora e da avó).
Homem ainda não conseguiu conciliar a sua vida profissional com a afectiva. Não é capaz de unir nem a vida afectiva pregressa com a vida afectiva actual. Cuida de um afecto por vez.
Pai não forma sindicato, não cria associação. Continua defendendo que ninguém tem o direito de se meter na vida dele e converte em inimigos os amigos que insinuam a sua indisposição filial.
Ele separou-se de uma mulher, não do seu filho, mas culpa o filho porque não consegue completar uma frase com a ex. Parte do princípio de que ajudando o filho está ajudando a ex. Gostaria de matá-la, mas então se mata para o filho.
Ou entende que o seu filho deve procurá-lo, cria paranoias e neuroses para aliviar a sua culpa. Age como um ressentido, fala mal do filho do primeiro casamento para a mulher do segundo casamento, alegando ingratidão.
E a mulher do segundo casamento concorda com o absurdo porque está preocupada com o bebé e deseja a exclusividade do marido. E não entende que um irmão depende do outro irmão, que uma família não cresce por empréstimos.
Homem tem que aprender a sofrer em público, sofrer por um filho o que sofre por uma dor de cotovelo, apanhar das cólicas, desabar numa mesa de bar, beber interurbanos, fechar a rua e o sobrenome para encurtar distâncias, chorar nas apresentações escolares, fingir abandono a cada despedida, para só assim mostrar que pai, pai mesmo, nunca será dispensável.