Não posso mais viver sem mim…

Não posso mais viver sem mim…

Nunca fui uma mulher exatamente bonita. Sabes quando a gente olha para alguém e pensa “essa pessoa seria maravilhosa se tivesse os olhos um pouco menos caídos”? Sou tipo isso. Eu seria linda se tivesse os traços um pouco menos assimétricos. O nariz um pouco menor. A mordida um pouco menos cruzada. As sobrancelhas um pouco mais delineadas. Os dentes um pouco menos amarelados – e olha que eu não fumo, não tomo café e não tomo Coca-Cola. O queixo um pouco menos avantajado. As orelhas um pouco mais… Não. Nas minhas orelhas ninguém mexe. Ela são perfeita.

Não precisas ser artista nem profundo conhecedor da anatomia humana para propor mil e um retoques que fariam todo o sentido em ti. Eu mesma, naqueles dias mais autocríticos, conseguiria gastar a página inteira só enumerando tudo aquilo que poderia ser mudado na minha aparência. Acontece que já se foi o tempo em que a gente tinha tempo a perder com elucubrações sobre o que poderia ter sido, mas não foi. A pilha de louça na pia só aumenta. O cesto de roupas sujas cresce em progressão geométrica. O jantar, infelizmente, não se cozinha sozinho. Então, não gastemos energia com isso.

Vamos nos amar. Ao próximo e a nós mesmos. Por mais que não tenhamos absolutamente nada em comum com a modelo da capa de revista nem com a moça que faz a propaganda da Neutrogena, vamos nos amar. Por mais que não tenhamos samba no pé nem sensualidade no olhar, vamos nos amar. Apesar do nosso melasma, da nossa orelha de abano e do nosso estrabismo, vamos nos amar.

Lembro que, certa vez, eu devia ter uns nove ou dez anos, precisei fazer uma autobiografia minha. Trabalho de escola. Considerando a minha vastíssima e super inspiradora história de vida – que, até hoje, não tem nada de excepcional a não ser pelo facto de eu ter aprendido a ler e a escrever aos quatro anos de idade e fora da escola – tive que enfiar um zilhão de fotos minhas, porque, vejam bem, um livro chato ilustrado é melhor do que um livro chato sem figuras. Então me tranquei no quarto da minha mãe, que é onde ficam guardados todos os álbuns de família, e comecei a seleção.

Passei, fácil, umas seis horas ali dentro. E passaria ainda hoje. Porque aquela bebé de olhões castanhos era muito bonita. E aquela criança de cabelos quase negros era muito bonita. E aquela adolescente de aparelho, espinhas e óculos de avó não era tão bonita, mas muito espirituosa e inteligente. E essa adulta de um metro e meio, de bocão – a la Jolie, porém assimétrico –, de peitinhos erguidos que dispensam sutiã, de tatuagens em cores gritantes e dos cabelos mais maravilhosos do mundo é tão bonita. E tão espirituosa. E tão inteligente. E tão sensual. E tão profunda. Que não tem como não amar. Por isso, eu me rendi.

Bastou eu chorar para expelir líquido amniótico e aspirar oxigénio e – pronto – tava feito esse lance do amor-próprio. Que, às vezes, bate mais fraco. E às vezes bate mais forte. E outras vezes beira o insuportável. Mas que já me salvou de pés na bunda, de mensagens visualizadas e não respondidas, de ligações não retornadas. De espinhas no bem meio da testa e bem no dia da festa de formatura, de uma tatuagem bizarramente mal-acabada, da unha sempre mal-feita para eventos sociais. Do bullying na idade escolar, da falta de par no bailinho do colégio, do fim do primeiro namoro.

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Tu tens tudo o que eu gosto, falta só gostares de mim!
Gosto do que é simples: um abraço, um obrigado, um “cuida-te”.

Porque aqui, é o seguinte: se tu não queres, meu bem, tem quem queira. Sempre vai ter quem queira. Nem que esse alguém seja eu. Apenas eu. E apesar de não gostar de Ultraje a Rigor, tomo-lhes emprestados os versos mais narcísicos e que melhor me vestem. Eu me amo. Eu me amo. Não posso mais viver sem mim.

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