Nós somos todos descartáveis…

Nós somos todos descartáveis… Hoje acordei com o coração apertado. Final de ano, momento inevitável para reflexões. Lembrei-me das pessoas que ficaram para trás. Mas lembrei-me ainda mais daquelas, pelas quais eu fui deixada para trás.

Sabemos que a vida nos leva para lá e para cá como bem entende. Muito do que gostaríamos de decidir, não fica realmente nas nossas mãos. Conhecemos pessoas e somos obrigados a nos despedir um dia. Vivemos a saudade dos momentos que tivemos com elas e temos que nos contentar com o contacto em redes sociais ou com os valiosos telefonemas, tão raros hoje em dia.

Mas e quando percebemos que não tivemos valor para alguém que nos dedicamos tanto? Um amigo ou amiga, que pensávamos, ser para sempre? Um lampejo, uma possibilidade de um amor que pareceu estar chegando e mais uma vez nos damos conta de que vivemos um momento descartável?

Esta semana a minha sábia terapeuta disse: “Quem te vê, vê uma mulher segura, disponível, cheia de si e não imagina como és de verdade por dentro”. Ela referia-se a isso, à minha não aceitação do ser descartável, simplesmente o ser mais uma na vida de alguém, enquanto que o meu comportamento seguro talvez demonstre o contrário. Pareço eu ser mais uma a tratar os demais de forma tão rasa?

A arte do desapego em relação às pessoas que passam em minha vida é algo que desconheço. Me apego sim. Gosto, curto, admiro e torço pela felicidade dos meus. E de preferência ao meu lado. Quando a vida é dura e leva de mim os que gosto, sofro, mas ao menos tenho a certeza de que foi a vida quem quis assim. Cruel é quando as pessoas nos descartam sem mais nem menos, sem ao menos ter a decência de nos dar um por que. Triste é ser desprezado e totalmente ignorado, como se nem tivéssemos existido.

Vivemos numa sociedade onde as pessoas “ficam”, trocam as suas energias mais fortes e profundas com desconhecidos. Fogem de relações que somam em troca das que aparentemente não fazem diferença alguma, quando na verdade subtraem sim. Subtraem os nossos sentimentos, os nossos valores, as nossas possibilidades de evolução emocional, de valorizar o outro, de conhecer o próximo e a si mesmo de forma mais profunda.

Tornamo-nos uma sociedade doente, onde o conhecer pessoas na sua essência se tornou algo raro. O olhar ao outro com o coração é estranho e não natural como deveria ser. Amigos já não parecem ser tão amigos assim. Amores, só de fim de semana ou fim de festa. Somos todos bem-vindos à era do coleguismo e dos relacionamentos virtuais. Centenas de mensagens no Whatsapp até a cama e um provável adeus logo em seguida.

Fico feliz ao não me encaixar nessa modernização das relações humanas. Gosto e faço questão da visita em casa, do encontro pessoalmente, do ouvir a voz e o olhar nos olhos. O abraço apertado e uma conversa franca sobre quem eu sou, além do que aparento ser. Aprecio o conhecer o outro na sua mais profunda intimidade, desde suas qualidades até as fraquezas mais escondidas.

Admiro o procurar de afinidades. E o respeito pelas diferenças. Vivo o longo momento do conhecer e do se reconhecer no outro. Que para mim, vai bem além das centenas de mensagens via telemóvel. Começa no olhar e dura uma vida inteira.

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Vivemos numa era de pessoas descartáveis, quando aceitamos ser tratados assim. E pior, quando olhamos para os demais de forma tão superficial. Se não nos encaixamos, acabamos por nos sentir sozinhos, por ainda possuirmos algo de tamanho valor e esquecido pela maioria: o amor ao próximo como a nós mesmos. Ainda que nos sintamos sozinhos, não estamos sós de verdade. Apenas ficou difícil encontrar os que sobraram da mesma espécie. Sejamos nós, os que sobraram, a perpetuar o que é duradouro. Que amizade e amor não entrem em extinção!

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