Os tios e as tias estão em vias de extinção.
Diz-me a experiência que os tios fazem as maiores loucuras pelos sobrinhos e concedem-lhes privilégios que nenhum filho algum dia terá
Chamem-me terrorista, subversiva ou ambos — maio é o mês das mães, essa doce e cruel metamorfose que mistura, sem deslaçar, omnipresença, omnipotência, doçura, terror, responsabilidade, disciplina, bandalheira, justiça, talentos artísticos variados escondidos e uma dose cavalar de cansaço, e eu decido escrever sobre os tios.
Vivo a bênção dos sobrinhos como uma espécie de netos antecipados que a vida nos dá, quando as articulações ainda estão mais ou menos intactas, a pele ainda não engelhou circunscrevendo um mapa da viagem da vida feito de sulcos de rugas, e o cabelo assume todas as cores da paleta menos a branca e prata.
Sei que faltava aos pais poderem ser mais tios. E darem-se ao luxo de ser também um pouquinho mais de avós. A verdade é que não é essa a ordem natural das coisas, as águas estão bem separadas desde tempos imemoriais — aos tios o que é dos tios, ou seja: os sobrinhos!
Diz-me a experiência que os tios fazem as maiores loucuras pelos sobrinhos e concedem-lhes privilégios que nenhum filho algum dia terá.
Os tios também competem entre si, pelo troféu de “tio favorito”, e o meu tio Manuel também esteve convencido que eu tinha alma de homem, apesar da predileção por sapatos de verniz e por todos os pantones listados, do magenta ao violeta — quem me mandou ser a única mulher da minha geração na família?
Crescemos rápido demais e a certa altura desligamo-nos dos tios, tal e qual como nos desligamos dos nossos pais com ganas incontroláveis de irmos à nossa vida à nossa conta e risco.
Sei, hoje em dia, quase com 40 anos, que esse afastamento é passageiro. Que, tal como regressamos ao colo dos pais (geralmente quando nos tornamos pais), também voltamos a ser os maiores compinchas dos nossos tios (quando eles nos veem espelhados nas feições e gargalhadas inocentes dos nossos filhos).
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Neste maio, mês das Mães por excelência, falo dos tios porque dou por mim em pânico, a prever que os tios, com as famílias encurtadas a um filho ou no máximo dois, estão em vias de extinção!